(Reblogagem – 8/5/2004 )
Olá pessoal, saiu uma entrevista minha no site da QIX International
segue aqui na integra a entrevista feita por Julio Detefon:
Existem inúmeras pistas de skate que já foram e são construídas sem nenhum acompanhamento de uma pessoa que já andou ou anda de skate, ou que, pelo menos, entenda um pouco dele, das necessidades quanto a transições, etc… Já fui andar em cada pista que tinha tudo para ser boa, mas por falta de pessoas envolvidas com skate no acompanhamento das obras, tinha vários defeitos, o que muitas vezes inutilizava um obstáculo inteiro ou, no mínimo, limitava o skatista a certas manobras. Os erros mais comuns são rampas grandes demais para a área, tornando, assim, os obstáculos desproporcionais e muito perto do outro, transições malucas, rampas ultrapassadas e por aí vai… Abaixo, uma conversa com um cara que vem construindo pistas de skate há um bom tempo e todas elas são bastante elogiadas por quem tem a chance de andar. Tudo tem que ser estudado.
Confiram um pouco de Ernesto Belote, um engenheiro do skate.
Qix – Nome, apelido, idade, tempo de skate e cidade.
EB – Ernesto Antonio Nascimento Cardoso, Belote, 31 anos de idade e 16 de skate. Camaçari-BA
Q – Como o skate entrou em sua vida?
EB – Bem antes de ter um skate propriamente dito, eu brincava com uma tábua sobre um patins desmontado. Até que no natal de 1987 ganhei meu primeiro skate, um Pro-Life. Nessa época, o skate tava crescendo muito e tinha até um grupo chamado GASP (Geração Atual do Skate Promissor).
Q – O quê esse grupo fazia?
EB – Eles que movimentavam o skate na cidade, tinham um mega quarter-pipe e fechavam uma rua do centro aos finais de semana. Era a atração da cidade, toda criança/adolescente queria ter um skate naquela época. Eu, com 15 anos, não podia ficar de fora.
Q – A idéia de se formar em Engenharia Civil surgiu por causa do skate?
EB – Não houve uma influência direta inicialmente, mas senti logo a identificação. E a medida que ia aprendendo detalhes de cálculos e detalhes construtivos, lembrava de quando eu, junto com a turma, construía rampas com madeirites roubados e ficava bolando maneiras de tentar economizar ao máximo o pouco material que tínhamos. E quando ia descobrindo formas matemáticas de chegar a resultados que não imaginava ser possível. Outra influência também foi o fato de eu ter acompanhado de perto, inclusive dando dicas, ao engenheiro que ia construir a primeira pista de Camaçari. Eles iam construir um half pipe, baseado em um projeto de minirrampa que saiu na antiga revista SKATIN (lembra?) e um banks, sem flat. Aí, com minhas dicas, o half não ficou dos piores e o banks (finado) marcou época em Camaçari. Ficou bala! Isso em 1989 e durou até 1997.
Q – Daí pra frente como foram surgindo as outras pistas? Qual foi a próxima a ser projetada por você?
EB – No período de final de 1992 a início de 1994 estive um pouco afastado do skate. Havia iniciado a faculdade e morava em Feira de Santana. Aí conheci a turma do skate de Feira. Foi quando em 1994 resolveram fazer um Campex e ajudei na construção das rampas. Fiquei na fissura de novo, tomei até um skate que havia dado pro meu cunhado na época e ainda corri o Campex, o FTC de Skate, a galera gostou das rampas e comecei a ficar conhecido. Daí fui fazendo várias pistas de campeonatos locais até que, em 1997, quando eu já era estudante de engenharia, pude desenvolver pra prefeitura o projeto da minirrampa e do half que estão hoje na praça Abrantes, no centro de Camaçari. Junto com uns mini obstáculos de street. Pena que quiseram mesmo demolir o banks. Fiz o projeto da pista da praça Abrantes, que, na verdade, foi uma consultoria ao arquiteto que ganhou pra fazer a praça toda.
Q – Mas você ganhou alguma coisa?
EB – Uma merreca, mas fiquei super feliz principalmente por ver a minirrampa que sonhei ficando pronta. Nessa ainda pude estagiar na empresa construtora. Mas estagiário sabe como é, né? Grana lá em baixo.
Q – Qual foi o primeiro projeto que você fez e recebeu sozinho?
EB – O primeiro projeto pago como projeto mesmo foi em 1999, quando fiz o projeto da pista da Bomba. Eles me disseram a área disponível e eu fiz. Infelizmente não pude acompanhar as obras e ficou com algumas falhas.
Q – Por que não pôde acompanhar?
EB – Tava trabalhando e não batia os horários. Mas o principal mesmo é que a empresa que construiu comeu mosca, tava tudo no projeto e eles vacilaram. Aí eu aprendi que não basta estar no papel, tem que estar claro e ter certeza que eles estão entendendo tudo. Quem está construindo geralmente nunca andou de skate. E um skatista que bota no papel sua idéia geralmente não sabe pôr os dados que são realmente importantes pra construção. Nessa hora é importante ter alguém que conheça os dois lados… skate e obra.
Q – Onde você trabalha? O que faz lá? Foi através do skate?
EB – Trabalho na prefeitura de Camaçari, na Secretaria de Planejamento. Não teve ligação com o skate, trabalho na assessoria técnica de lá desde a época que uma busca no CADÊ pela palavra skate dava apenas 22 resultados.
Q – Fale sobre a Belote Projects.
EB – Esse é o nome fictício da minha empresa. Até hoje a Belote Projects não virou empresa formal mesmo, mas como sou profissional liberal tenho os contratos em meu nome mesmo.
Q – Quantas pistas de skate você já fez?
EB – Pistas públicas, em ordem cronológica: Praça Abrantes, Pista da Bomba, Vila de Abrantes, Lauro de Freitas, Paranaguá-PR, Madre de Deus. Ainda houve as pistas de madeira dos campeonatos brasileiros profissionais de 1997, 1999 e 2000, muito elogiadas.
Q – Como rolou o contato desta pista do Paraná? Quando foi isso? Já inaugurou?
EB – O projeto foi feito no final de 2002. O prefeito de lá esteve em Lauro de Freitas, viu a pista e gostou. Entramos em contato um com o outro e viabilizamos um mega projeto. O projeto foi tão detalhado que nem precisei ir lá e está ficando perfeita. Inaugura ainda esse ano já que só começaram a fazer no final de 2003.
Q – Qual é o problema de Salvador quanto í construção de pistas de skate públicas, já que muitas cidades da Bahia têm pistas da hora e a capital ainda não?
EB – Não sei mesmo. Em 1999, fui contactado pela CONDER, órgão do governo, que pediu que eu fizesse um projeto para Salvador. Elaborei uma pista completa para o Abaeté, pagaram e tudo, depois acharam que tava muito grande. Modifiquei o projeto pra menor sem cobrar nada a mais e, mesmo assim, não construíram nada. Quando chegou ís mãos da Federação Baiana de Skate um projeto de uma pista que eles iam construir no centro de SSA, que não iria funcionar muito bem por deficiências do projeto, conseguiram me pôr no circuito. E elaborei uma pista que todos que viram a prévia elogiaram bastante. Porém até agora nem pista nem dindin. Não dá pra saber se vai sair com certeza, mas parece que sim, já que está em fase de orçamento pra licitação.
Q – Quando vejo aquela pista de Madre de Deus fico de cara com a quantidade de rampas e a qualidade. Tem todos os tipos de rampas. De onde você tira inspiração para desenhar um paraíso daqueles?
EB – A cada pista, a cada projeto, a cabeça vai a mil. Nunca dá pra por tudo que vem na cabeça, depende muito da disponibilidade, de terreno, de verba, características dos skatistas da região, existência ou não de outras pistas próximas. No caso de Madre de Deus, combinaram vários fatores positivamente. E até hoje, quando vou lá, me emociono. Ver tanta coisa junta, tanta coisa que estava em minha cabeça. Ainda assim houve algumas restrições e algumas coisas foram cortadas, algumas distâncias foram diminuídas, mas, no geral, não tenho medo de dizer que será uma das melhores, se não a melhor e mais completa pista do Brasil.
Q – Qual foi o custo da obra? E o prazo para entrega?
EB – O custo total da obra está na casa dos R$ 300.000,00, mas vale lembrar que é tudo de primeira, até corrimãos e cantoneiras de aço inox, pois é na beira da praia. O prazo, por questões políticas, não dá pra saber, mas de obra mesmo em ritmo normal levaria no máximo mais dois meses. Vamos ver como anda a vontade política.
Q – O que o skate representa na sua vida?
EB – É o esporte que mais marcou minha vida, apesar de hoje não andar tão freqüentemente como gostaria. O skate ainda é o que me inspira a voltar a ficar em forma física para poder aproveitar uma pista como a de Madre, pra andar bem como andava antes de ganhar tanto peso. Sempre que vou a um campeonato fico no maior tesão pra voltar a andar bem, mas, no geral, não faço feio. Hoje tenho um filho e gostaria de poder um dia andar de skate com ele. Acho que se ele simpatizar pelo skate e puder vê-lo andando em uma pista que construí me sentirei um cara realizado. Já sou muito feliz em poder contribuir para o esporte que me deu tantas alegrias. Costumo falar sempre, até pra pessoas que nem andam de skate, que não há sensação melhor do que aquela que um skatista tem quando está voltando pra casa depois de uma boa session com amigos em que ele acertou “aquelas” manobras. Ele sente que andou bem, independente de resultado de campeonatos. Essa é a essência.
Q – E a engenharia na sua vida?
EB – A engenharia civil é muito ampla, talvez por isso eu tenha me identificado com ela. Dentro das áreas da engenharia sempre me identifiquei mais com a de projetos, principalmente na área de estruturas de concreto armado.
Q – Qual a pista de skate que você fez que mais gosta?
EB – Até hoje, admiro a de Madre. Mas tenho um sonho em relação a pistas que ainda não realizei que seria um mega-banks com várias transições, rápidas, lentas, rasas, fundas com curvas longas e curtas, bem variadas mesmo. Vários tipos de passagens e, de preferência, aqui perto da minha casa. Aí sim, você ia ver o Belote voltar a detonar em transições. Tenho que admitir que sou cria do Banks de Camaçari. Já gostei muito de andar em rua, mas hoje nem me imagino encarando um corrimão.
Q – Uma mensagem?
EB – Queria deixar uma mensagem a todos que tem amor pelo carrinho… Procurem fazer algo em troca desse esporte que nos dá tanto prazer. E que evitem usar drogas em eventos e pistas de skate, pois independente de ser ou não um direito seu, queima o filme do esporte e afasta o interesse do poder público em investir num esporte (que ainda) é reconhecido pela sociedade como praticado por um “monte de drogados”. Esta imagem já está sendo derrubada e temos que caminhar sempre para que ela desapareça totalmente.
“Admiro esse cara pra caramba. Lembro-me que o cara andava muito de skate. Teve uma época em Camaçari que não tinha pra ninguém. Belote andava demais, transições ele dominava e domina ainda, tanto andando como também construindo. É o cara certo para o tipo de coisa. Além de tudo, tem o skate na alma”
Walter Junior, skatista e amigo de infância do Belote em Camaçari-BA.
Matéria feita por Julio Detefon na madruga